BEHOLD: 8 lições que Ridley Scott nos ensina sobre filmar com celular
Curta é parceria entre Samsung e o aclamado diretor para o lançamento do Galaxy S23
Contemplar, mas com a intenção de “pasmar”, “admirar", não há tradução melhor para o título do curta dirigido por Ridley Scott para a gigante coreana.
Gravado com os novos Galaxy S23, o filme foi o destaque no lançamento da Samsung na semana passada.
Em pouco menos de 4 minutos, o diretor de clássicos como Blade Runner e Gladiador mostra dois pontos óbvios: em doze anos os celulares evoluíram tanto quanto as câmeras fotográficas em um século e, embora ainda apresentem limites, nada como o domínio da técnica para superá-los.
“Certifique-se de que saiba o que está fazendo”, nos diz Ridley Scott.
Separei 8 pontos que transformam Behold um uma aula gentil e silenciosa de como ser elegante na solução de problemas, acompanhe pelo vídeo acima e deixe seu comentário, mas antes, um pedido:
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1- Reduza o contraste
Sombras mal iluminadas e grandes áreas de luz intensa são um terror para os celulares: um ruído horrível é gerado no primeiro caso e perda severa de detalhes no segundo.
Além de criar o clima da história, o dia nublado garante uma iluminação suave e homogênea em todos os tons da cena, além de segurar o estouro do céu, note como nas áreas internas - a senhora recolhendo as cartas, por exemplo - há uma iluminação artificial nos elementos importantes.
Para os mortais, a Samsung aprimora o HDR e Nightography, mas lendas como Scott sabem que a compreensão da luz sempre fará diferença.
Paredes, empenas de prédios e vegetação são usado para tapar o firmamento e quando isso não é feito, ele é mostrado em cantos ou tomando uma pequena parte do quadro, o brilho do céu é apenas um detalhe rápido e não predomina, seguindo a velha máxima fotográfica, ainda da época do filme:
Se não há nada de interessante no céu, por que mostrá-lo?
A restrita latitude de exposição do sensor do Galaxy S23 é respeitada e a iluminação externa contrasta com a luz dura das áreas internas, criando uma ambiência evidente na mente do espectador.
2- Desfoque? Aproxime-se!
Atualmente há uma desvio de função na fotografia e tanto fabricantes quanto espectadores fixam a sua atenção em um detalhe que nasceu para passar despercebido: o desfoque.
Eu costumo dizer que se você gosta de algo sem foco, a última coisa de que precisa é uma lente.
Duas das quatro câmeras do Galaxy S23 são grandes angulares, ou seja, sempre enxergam o mundo com um grande ângulo de visão e isso tem um preço: a sensação que todos os planos da cena estão em foco!
Para conseguir esse efeito - e parecer mais “profissional"- fotógrafos brincam com três fatores:
variar a abertura da lente, o buraco por onde a luz passa: inviável ( ainda) nos celulares, trabalham sempre com uma abertura fixa, ex: 6mm f/1.9
aumentar a distância focal: tecnicamente é possível usar lentes mais longas, ainda bem restrito a poucos modelos top de linha, vou manter como incomum de se encontrar.
O diretor de “Casa Gucci” abusa da terceira solução em Behold: ele aproxima a câmera do rosto do ator e o afasta bastante do fundo, é a forma mais extrema - e simples - de se garantir um fundo fora de foco.
Mas tenha calma, volte!
Também é a forma mais fácil de distorcer um rosto e escutar “você me deixou gorda!” logo depois da foto, segura essa aproximação caso tenha apenas a grande angular e depois corta na edição para o enquadramento mais fechado.
Embora as teleobjetivas, as “lentes de longe”, estejam engatinhando nos celulares, quando elas são usadas nessa manobra, o resultado é perfeito, um rosto na proporção correta na frente de um fundo desfocado.
3- Preencha os planos
O problema é sempre a solução da foto: essa visão bem aberta da grande angular permite que muita coisa seja enquadrada, a composição tende a ficar enfadonha.
Acompanhe com calma o vídeo e veja como Ridley Scott mantém todos os planos das cenas com algum elemento ou ação acontecendo, tudo se movimenta e se relaciona.
A simplicidade da solução deveria ser norma: como todos os planos estão em foco, logo, coloquemos coisas interessantes acontecendo entre eles.
“Espaço negativo” é uma prática que surge com muita frequência na fotografia, sugere que uma área vazia na lateral da foto a confere um peso especial, uma qualidade superior, mas creio que o próprio nome já desmente sua intenção, portanto, seja minucioso na hora do enquadramento.
4 - Figurino é rei
Já viu que a grande angular é um tipo de lente com suas “delicadezas”, não? Com o tempo fica fácil de lidar com suas vontades, mas uma delas irá exigir um cuidado redobrado: o figurino.
Como a lente enxerga muito da cena e, no caso dos celulares, facilmente enquadra o corpo todo de uma pessoa, a forma com que ela está vestida e os acessórios que carrega podem facilmente desequilibrar a narrativa.
É proposital no filme, não há uma marcação clara sobre o caráter de cada um, mas repare como o figurino é o primeiro elemento que equaliza todos os personagens, tanto temporal quanto geograficamente.
Do sapato ao acessório na ponta do cabelo da atriz, tudo ali foi coordenado e preparado para entrar em cena, uma equipe inteira trabalha para uniformizar, sem trocadilhos infames, os atores.
Maquiadores e figurinistas são, geralmente, os primeiros profissionais a serem eliminados das produções com orçamentos apertados e, também, os últimos erros a serem esquecidos.
Falaremos disso mais pra frente, mas filmar, seja com celulares ou com câmeras de cinema, é organizar uma bela equipe, concentrar todas as tarefas ao mesmo tempo é a forma mais rápida de não realizar o filme.
A última contenção do personagem é o figurino, trate com carinho essa parte.
5- Celulares não perdoam excessos
Presets, profiles e filtros são tão comuns nos celulares quanto o exagero de seus usos.
O color grading ou qualquer ajuste de cor não deveria se sobressair à história que ele próprio colore, percebe-se facilmente uma alteração de cor em todo o filme, mas ela é sutil, descompromissada.
Há o onipresente teal and orange, outro contrate entre verde e amarelo antes do (spoiler alert!) encontro com o cavalo, um sépia no fim, mas a história vem sempre primeiro.
Em um mundo onde o uso exagerado de filtros já causa repulsa, nada melhor que a parcimônia no uso para despertar uma audiência cansada, cuidado para não criar ou repetir um maneirismo digital.
Lembro que há pouco tempo era comum fotos de casamento dessaturadas e sem contraste, o preto ficava levemente acinzentado, o uso foi tão exagerado que hoje chega a ser cafona quando aplicado nas fotos.
Seja abusivo somente na moderação, lembre-se de que somos contadores, não tingidores de histórias.
6- Autofoco não caça brilhos
Além de criar volume, o posicionamento das luzes ajuda na comunicação de outra camada importante de informação: a textura do material fotografado.
Essa é a função básica do brilho especular, o reflexo da fonte luminosa: sentir algo sem que seja necessário tocá-lo. Você sabe que a jaqueta de vários atores era de couro, viu o suor no rosto do homem que corria, o metal na caixa de cartas que a senhora recolhia.
Como pode ter certeza disso se não estava lá para sentir? É um dos trabalhos silenciosos da luz, outro uso bem corriqueiro para esse brilho é garantir que em ambientes escuros o sistema de autofoco do celular não fique caçando o assunto a todo momento.
É mais fácil o sistema detectar e cravar o foco em algo envolto em uma linha luminosa brilhante do que banhado por sombras indefinidas.
7- Luzes não apontam para a câmera
Embora seja um recurso estético tão antigo quanto o cinema, o flare - clarão produzido por raios de luz entrando diretamente na lente - causa um profundo estranhamento quando feito com os celulares.
Segundos antes de entrar no galpão, uma vez lá dentro e após a saída, nosso personagem principal é sempre iluminado por uma fonte lateral, que não aparece no quadro.
Nas paredes internas do galpão, note, as luminárias apontam sempre para baixo.
Isso não é coincidência, é necessidade técnica e ela surgirá novamente daqui a pouco, como a exceção que confirma a regra.
Essa é uma dica de ouro com os celulares: deixe a origem da fonte luminosa fora do quadro, evitando um furo branco sem detalhes causado por uma brutal superexposição, os sensores de qualquer celular renderão muito mais com a iluminação indireta.
Só há uma cena em que um dos “perseguidores” aponta uma lanterna diretamente para o celular, note como o movimento todo é feito em menos de um segundo e como o clarão fica esquisito.
8- Mas caso apontem, filtre
Um exemplo perfeito para o que falei na lição acima: imagine essa cena com uma bolota branca estourada bem acima do cavalo? Uma ruína visual!
E que cavalo né? Você só veria aquela aberração luminosa passando pelo quadro, como é um brilho intenso, automaticamente seus olhos prestam mais atenção nele, é orgânico, sua visão se comporta assim.
Scott usa um elemento natural - creio que não tão natural assim - que funciona como um filtro: uma névoa, que diminui o estouro do sol e o deixa mais agradável, dentro da capacidade de exposição do sensor.
A lição #5 também é respeitada: o amarelo que tinge a cena é humano, natural, não está supersaturado como se uma bomba atômica houvesse explodido, o efeito é sutil, porque a mensagem final é carregada com o cavalo, não pelo Sol explodindo, os elementos estão homogeneamente dispostos, um balanceia o outro.
Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.
Eu fiquei com essa frase do Saramago na cabeça durante a feitura desse artigo, tenho certeza que você viu esses elementos, mas comenta aqui embaixo:
Já os tinha reparado?
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Abraços
Renato Rocha Miranda
Cada post seu transborda tanto conhecimento que fico imaginando o tanto de coisa que tens aí nessa caixola e o qto ainda seremos presenteados com seu saber. Obrigada por dividir. ❤️
Caramba 😮 tô preso nesse vídeo. olha o que pode ser feito com o celular
As pessoas não estão preparadas para essa conversa